No passado dia 14 de Junho, a equipa do Projecto Bichinho da fruta esteve
presente na ESTG – Escola superior de
tecnologia e gestão do IPL –
Instituto politécnico de Leiria para participar no Seminário de publicidade
infanto-juvenil, promovido
pela APDC – Associação portuguesa de direito do consume. A
partir das perspectivas apresentadas pelos oradores, a equipa descobriu vários
factores que considera pontos de partida
bastante importantes para a análise de toda a comunidade educativa e que,
esperamos, sejam alvo da vossa atenção!
Paulo Morais, presidente da Comissão Criança
& Consumo da APDC e perito do CESE
- Comité económico e social europeu para a área da publicidade infantil, o
primeiro orador a que assistimos, interveio sobre a temática A publicidade infanto-juvenil: educação ou proibição?, apresentando os seus
argumentos a favor da proibição.
Segundo este especialista, apesar da existência de legislação no nosso
país que procura regulamentar a publicidade e do Código de boas práticas na comunicação comercial para menores da Associação portuguesa de anunciantes, a
operacionalização desta actividade não respeita as regras estabelecidas ou
estas não serão, desde logo, as mais apropriadas – é fácil verificar-se a
transposição do limite de 20% por hora (12 minutos) na programação televisiva,
a utilização de crianças na realização de anúncios (mesmo quando não são elas
próprias o público-alvo!), entre outras transgressões tão lesivas ao
desenvolvimento das nossas crianças e jovens.
Diversos estudos indicam como factores de permissividade à publicidade:
-
a idade _ sabendo-se que esta é maior nas idades menores e que,
inclusive, grande número de crianças não têm ainda a capacidade de
consciencialização do intuito comercial subjacente à mensagem inscrita nos
anúncios, já que estes se estruturam de acordo com técnicas cinematográficas
(qualidade fotográfica das imagens, organização da mensagem de acordo com uma narrativa
em que, frequentemente, os personagens adquirem características de herói)
coerentes com as apresentadas por tantos outros suportes que lhes são familiares
(desenhos animados, filmes, jogos de computador, etc.);
- a identidade
de grupo _ a construção de elementos imagéticos e línguisticos comuns a
partir dos quais se desenvolve a interacção com outros e a identificação de
pares;
- o nível
educacional da família _ sendo que, reconhecidamente, a permissividade às
mensagens publicitárias aumenta quanto menor é o nível educacional dos pais.
Como resultado, é possível constatar que:
- a exposição à publicidade influencia o desenvolvimento
do indivíduo, operando uma autêntica “lavagem
cerebral” ao estabelecer massivamente critérios de uniformização e
pré-formatação, que contribuem para o desenvolvimento da imobilidade e de seres
acríticos, sem capacidade para operarem escolhas livres e conscientes sobre as
suas vidas;
- existem consequências ao nível da saúde, uma vez que se verifica a
promoção de diversos produtos que se podem integrar no grupo dos “alimentos
nefastos”, o que, aliado ao sedentarismo a que as nossas crianças e jovens
estão sujeitas inclusive pelo número excessivo de horas em frente à televisão
(“um dos principais educadores das crianças”), contribuem significativamente
para o aumento da obesidade infanto-juvenil do nosso país e para os riscos de
saúde associados, bem como o acréscimo de maiores custos sociais no futuro
(aumento de impostos, de incapacidade para a actividade laboral, etc.);
- se verifica um aumento de problemas comportamentais, quer no seio familiar quer em contexto
escolar, como resultado da aferição de padrões de consumo ligados à cultura das marcas.
Sendo o consumo fruto de um reflexo condicionado, ao
ser influenciado pelas marcas, gera pontos de tensão nos núcleos familiares já
que, frequentemente, as necessidades dos filhos não encontram uma
correspondência equilibrada com o nível sócio-económico dos pais, que, por sua
vez, são fortemente condicionados pela influência dos mais novos _ Atenção! Pais! 40% das compras que
fazemos são influenciadas pelos nossos filhos, mesmo que demasiadas vezes não
nos apercebamos disso.
Por outro lado, os padrões de consumo estabelecidos funcionam muitas
vezes como factores de exclusão dos indíviduos que não os adoptam, sendo que
estas crianças e/ou jovens confrontam-se com dificuldades de integração e de
construção da identidade de grupo, falando-se hoje nas escolas do “bullying de marca”.
No âmbito de Alimentação e bebidas – seus efeitos na
obesidade infantil, a Dr.a Filipa de Carvalho Soares, do IPL - Instituto politécnico de Leiria,
considerou mesmo que do ponto de vista da publicidade “a criança é a alma do
negócio”, sendo que o marketing cria necessidades, dita as
preferências, a decisão de compra e os hábitos de consumo. As escolhas alimentares não estão primariamente associados à saúde mas ao
paladar, ao custo dos produtos, à influência dos outros, à embalagem, à
disposição dos alimentos nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais, factores
amplamente estudados e desenvolvidos no contexto do marketing e da publicidade, existindo vários estudos que comprovam
a eficácia da sua actuação.
Na fase de
crescimento é essencial ter atenção aos adipósitos e ao aumento da gordura nos
tecidos celulares, uma vez que, a ocorrência deste factor nos primeiros anos terá
correspondência com o desenvolvimento da tendência do indíviduo para engordar
ao longo de todo o seu ciclo de vida – crianças
obesas correspondem a adultos obesos!
Actualmente, a par do aumento da obesidade,
verifica-se já o acréscimo de casos de síndrome metabólico (o qual envolve
várias tipologias) e de cancro do colo-rectal, entre tantas outras patologias associadas à má alimentação.
Assim, para além das consequências ao nível da saúde, sentimos já hoje o
reflexo económico desta situação: actualmente, o valor corresponde a cerca de 680€/ano por cada obeso, isto é, 1,7 vezes superior aos gastos de cada
índividuo sem problemas de obesidade!
A questão é,
portanto, pertinente: Limitar/proibir a publicidade ou educar o consumidor ou
confiar nas estratégias de auto-regulamentação das agências de marketing e publicidade?
Idealmente a
intervenção abrangeria os três níveis de actuação, no entanto, à que contar com
muitas dificuldades.
Ao nível da educação, a dietista propõe que desde
logo se combata a “publicidade enganosa”,
apostando na qualidade de informação e
nas competências de interpretação da mesma:
- criando hábitos e transmitindo conhecimentos que
possibilitem a leitura e interpretação dos
rótulos e etiquetas dos produtos. Estes possibilitariam, por exemplo,
constatar que muitos dos doces, chocolates, snacks,
cereais, refrigerantes e fast-food
são alimentos hipercalóricos (cerca
de 72%), com excesso de açucar, de sal e/ou cafeína e que, apesar de serem tão
apreciados pelos mais novos, o consumo deve ser regulado pelos educadores;
- é importante aferir o significado dos atributos “mais cálcio”, “diet”, “light”, entre tantos
outros aplicados aos diversos produtos disponíveis no mercado;
- escolhendo os alimentos em função das suas características nutricionais,
resistindo aos fortes apelos para a aquisição de produtos com base meramente nas
embalagens coloridas e/ou que manipuladoramente ostentam “ídolos”, na obtenção
de brindes e prémios, ou associados a factores de diversão tão comuns nos
produtos associados às faixas etárias mais novas;
- descodificando
a mensagem publicitária associada
ao anúncio que está a ser visionado (por exemplo, no caso de muitas bebidas
alcoólicas ou energéticas, os anúncios sugerem sucesso, êxito social ou
aptidões especiais adquiridas após o consumo destas pelos personagens jovens ou
com corpos “ideais” face os padrões em voga), por forma a que se possa
compreender a validade dos factores de motivação que lhe são implícitos e,
assim, tomar consciência do processo adoptando uma escolha crítica e livre.
Assim, ir às compras com os filhos implica resistir
aos seus apelos para o consumo, mas não é estar sempre a dizer “Não!” (embora muitas vezes seja preciso também), antes mais uma
oportunidade para a interacção e consolidação dos laços e valores parentais -
aos pais cabe o papel de ensinar (através
do próprio exemplo e de acções(*)
que promovam o envolvimento dos jovens
nas escolhas familiares, desenvolvendo a sua autonomia e responsabilidade) a
ser um consumidor capaz de escolhas
livres e conscientes, em que a razão
e emoção se enquadram de forma equilibrada contribuindo para a obtenção de satisfação (e não frustação) através
dos produtos adquiridos.
De acordo com os
dois intervenientes, o antídoto resulta de uma intervenção em múltiplas
frentes:
- limitar a exposição à publicidade e/ou mesmo
proíbi-la;
- “praticar muito desporto!”, ou promover a ocupação
das crianças e jovens envolvendo-os em actividades que irradiem o sedentarismo,
desenvolvam as competências sociais e sejam promotoras de valores;
- adoptar uma alimentação saudável, contrariando a
tendência social para o consumo mais assíduo nas familias de produtos
pré-cozinhados, fast-food, pela
substitição da água por refrigerantes, etc.;
- e estimular o conhecimento de alimentos saudáveis,
introduzindo-os nosh ábitos alimentares da família desde os primeiros anos de
vida.
O importante é
mesmo a definição de estratégias que implementem minimamente o sucesso no
combate à publicidade, protegendo hoje as crianças e jovens e os adultos de
amanhã.
(*) Acção
Hipersaudável, promovida pelo Projecto
Bichinho da fruta em colaboração com o Continente
para as turmas do 2º CEB da Escola básica e secundária de Ourém.
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